Sobrevivência

[de Debora Barbieri]

Ainda não conhecia uma escola de verdade, mas me sentia estranhamente fascinada por ela. Meu irmão voltava desse lugar mágico, ao entardecer, logo que o desenho do Pica-Pau terminava. Ele subia as escadas e eu nunca falhava: corria pra cima e dava um empurrão na porta… o quarto do irmão era meu lugar.

Meu olhar curioso tentava acompanhar de perto, mas bem de perto mesmo, as mãos ágeis do irmão mais velho, mas era quase impossível. Parecia que eram os cadernos, lápis, canetas e um milhão de apetrechos que saíam sozinhos da mala de couro preta e se esparramavam pelo chão.

Naquele dia ele abriu um caderno e apontou:

— Tá vendo esse desenho?

— Tô.

— Tá vendo esse menino desenhado aqui, ó?

— Tô sim.

— Quer ver o que eu consigo fazer com ele?

— Quero.

Com firmeza, a mão esquerda dele segurava o papel, enquanto a mão direita esfregava com vigor um objeto verde sobre a página. O menino foi sumindo… sumindo… sumindo… Até que restou uma parca sombra de criança no meio de uma rua com casas e árvores.

Meu irmão ameaçou:

— Se você não sair do meu quarto agora, vou te apagar pra sempre.

E encostou aquele objeto verde no meu braço. Me lembro da quentura e do cheiro de borracha.

Lembro do meu grito e da vez que corri mais rápido na vida.

E lembro do medo.

De ser apagada.

Para sempre.

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